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Opinião Quarta-feira, 10 de Agosto de 2022, 07:00 - A | A

Quarta-feira, 10 de Agosto de 2022, 07h:00 - A | A

Opinião

A violência silenciada

Por Gabriela Pecois Arakaki*

Artigo de responsabilidade do autor
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Na série da HBO ‘Pequenas Grandes Mentiras’ (Big Little Lies), a personagem Celeste, interpretada pela atriz Nicole Kidman encontra-se em um relacionamento abusivo com o seu marido, Perry Wright. Em sua cidade que é regida por aparências, ela sofre constantes agressões físicas, sexuais e psicológicas dentro de casa ao mesmo tempo em que busca “zelar” pela imagem de sua família. Inicialmente, ela acredita que a agressão se dá em momentos pontuais e que isso não se repetiria. Porém, durante a série, as cenas de agressões se repetem e por várias vezes acredita que ele vai mudar e acaba por perdoá-lo.

Projeto NOVA

Gabriela Pecois Arakaki

Gabriela Pecois Arakaki

 

Não diferente , essa é a realidade de muitas mulheres: a confusão dos antagonismos que, diariamente, se questionam diante de um relacionamento abusivo e acreditam que o(a) parceiro(a) vai parar com o comportamento agressivo e mudar. O ponto não é acreditar ou não em mudanças de comportamento, já que eu, enquanto psicóloga, acredito na mudança do ser humano, caso contrário, não teria sentido eu ter optado por essa carreira. Mas quando se trata de violência doméstica, a questão é outra: estamos falando da vida em risco e seu prejuízo integral enquanto mulher.  


Primeiramente, devemos estar conscientes de que a violência doméstica contra a mulher não começa direto na agressão física, mas pela violência psicológica. E esse tipo de violência, infelizmente, acaba sendo mais “aceitável” socialmente, já que as marcas por agressão física podem ser facilmente notadas, enquanto que a violência psicológica, na maior parte dos momentos, é silenciosa. E silenciosa por quê?

“Cala a boca! Você é louca!”

Essa é uma das frases usadas com mais frequência. Porém, além das frases agressivas mais explícitas de ameaças, constrangimento e humilhação, ainda se tem os diálogos de chantagem, manipulação e, consequentemente, isolamento. E são esses pontos, especificamente, que pretendo não silenciar nesse texto.


O afastamento de familiares e amigos tem um discurso velado do agressor: “não quero que conte isso para ninguém. (...) Nós que temos que resolver. (...) Ninguém tem nada a ver com isso”. Afinal, briga de marido e mulher ninguém mete a colher, certo? Errado!


Diante desse isolamento em que não pode contar para/com ninguém, torna-se mais difícil o processo de reconhecimento de um relacionamento abusivo e o de pedir ajuda. E não poder contar (com ou para ninguém) já é um sinal. O sofrer já é difícil, mas o sofrer em silêncio é como uma tortura.


A violência psicológica, em sua grande parte, faz a mulher questionar sobre si mesma, ocasionando na diminuição de sua autoestima, além de se sentir culpada e pedir desculpas por erros que não cometeu. Pois imagine um cenário, dentro de casa, onde frequentemente é afirmado e dito palavras que humilham e a constrangem; em algum momento, depois de tanto escutar, é comum que essas palavras sejam assumidas como verdades.


Essas violências verbais repetidas, fazem-na acreditar que só será amada naquele relacionamento e dentro daquelas condições, já que pode passar a acreditar na mentira de que é tão cheia de defeitos a ponto de não merecer ou acreditar ser amada por mais ninguém. E isso é ainda mais preocupante quando não se tem uma rede de apoio, já que essa também serve para dizer  e lembrar a ela o contrário e a acolher em seus questionamentos.

 

Assim, a violência psicológica não fere apenas o corpo da mulher, mas a violenta em sua integridade mental também, prejudicando seu pleno desenvolvimento e afetando diretamente suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Por isso, é preciso estarmos atentas, pois é a primeira a aparecer dentro de casa e abre espaço para uma maior vulnerabilidade para os outros tipos.


Retornando para a personagem de Celeste, inicialmente, ela e o marido procuram uma psicóloga para melhorar o relacionamento, contudo, passa a se identificar como vítima da violência doméstica e, por mais difícil que tenha sido se reconhecer e se desprender desse relacionamento, estar nessa situação era ainda mais arriscado. Assim, ela encontra força e coragem em seus filhos, é apoiada por suas amigas, e enxerga novas perspectivas na retomada de sua carreira profissional. Logo, seja por meio da terapia, por suas amizades, filhos ou carreira profissional, essa pode ser uma nova possibilidade de se reinventar para quem está passando por essa mesma situação. Espero que nenhuma mulher duvide de suas qualidades e nem se perca em um relacionamento que a afaste dela mesma, pois é digna e merecedora de amor!


Agora sendo um pouco mais diretiva, caso você tenha se identificado com essa história ou com algum desses sinais, por mais iniciais que sejam, reveja o seu relacionamento e peça conselhos e ajuda para pessoas que verdadeiramente se importam com você. Não é errado compartilhar, errado é não ter o direito de falar. Denuncie!

 

 

*Gabriela Pecois Arakaki
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Educadora social no Projeto Nova e no Projeto Elas
Para mais informações: [email protected]

 

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Isabella 11/08/2022

Perfeito!!!

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Luiz 10/08/2022

Parabéns, pela coluna e pelo seu trabalho no projeto!

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Débora Oliveira 10/08/2022

Excelente texto. A realidade da violência doméstica está muito mais próxima de nós do que pensamos. Pode ser encontrada no meio da população mais abastada e entre os de condições econômicas mais baixas. Calar não resolve o problema, é preciso enfrentá-lo.

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Zenaide 10/08/2022

Excelente conteúdo e informações.

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4 comentários

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