O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou neste mês a campanha nacional Agosto Lilás. São 30 dias de conscientização contra a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral que cada vez mais é crescente e presente na sociedade.
Renata Santos/Capital News
Os casos que se escuta são muitos fortes e muitas vezes difícil de entender
Os dados da violência contra a mulher são alarmantes, para se ter uma ideia uma a cada três mulheres em idade reprodutiva sofreu violência física ou violência sexual por um parceiro íntimo durante a vida, e mais de um terço dos homicídios de mulheres são perpetrados por um parceiro íntimo. Em Mato Grosso do Sul, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de janeiro ao dia 07 de agosto desse ano foram registradas 11.427 ocorrências de violência contra mulher.
O levantamento mostra o que algumas organizações voltadas ao enfrentamento da violência doméstica já observaram a sociedade patriarcal, o estresse econômico além do perfil de um homem machista estão entre as motivações do aumento dos números. De acordo com especialistas, nos depoimentos citados pelos homens suspeitos ou condenados por prática de feminicídio, estão sentimentos de posse, ciúmes, sexualidade e machismo. Os dados elevam o Brasil ao status de 5º país no mundo em mortes violentas de mulheres. São 13 por dia.
A psicanalista Viviane Vaz, coordenadora do Projeto Nova, um programa que oferece atendimento psicossocial a famílias sobreviventes do abuso e exploração sexual trabalha há mais de uma década com mulheres vítimas de violência. Num bate papo, ela nos conta os desafios desse trabalho.
1. Capital News: Qual a importância do Agosto Lilás?
"A maioria não não consegue enxergar que está no relacionando abusivo, elas ficam quietas"
Viviane Vaz: O “Agosto lias” é um mês muito importante, dedicado ao assunto, é fundamental falarmos disso. A cor roxo, não foi escolhida por acaso, muitas mulheres são agredidas pelos maridos e elas não falam. A maioria não não consegue enxergar que está no relacionando abusivo, elas ficam quietas. As vezes termina, mas acaba voltando com parceiro, o que é recorrente. A sociedade precisa falar sobre o assunto.
2. Capital News: Como você avalia os números da violência?
"A sociedade está doente, ansiosa, deprimida, usando mais drogas"
Viviane Vaz: Difícil de elencar um único fator, porque envolve muitas coisas. A sociedade está doente, ansiosa, deprimida, consumindo mais psicoativos. Além disso, a consumindo mais psicoativos também favorece, porque as pessoas vivem uma vida de mentira, elas desaprenderam a se relacionar, vivem um desiquilíbrio total.
3. Capital News: Por que as pessoas estão assim?
Viviane Vaz: A falta de autoconhecimento é um fator que faz com que as pessoas busquem, busquem, busquem. O acesso fácil a internet, o consumo de pornografia faz as pessoas quererem sempre mais, sempre insatisfeitas, o que acaba saindo do controle. As pessoas banalizam gestos, atitudes agressivas e então o cérebro não consegue discernir o que é certo ou errado. Esse é um dos motivos, porém poderíamos elencar uma série de outras questões.
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4. Capital News: Como é o ciclo da violência?
Viviane Vaz: A violência começa de uma forma sútil. Primeiro pelo abuso psicológico, por exemplo entender que a pessoa é dela, a vítima confunde com amor essa posse. Aos poucos começa o abuso moral que é, por exemplo, desfazer da pessoa no meio dos outros. De psicológica passa a patrimonial que é impedir de ter a autonomia financeira e por fim a violência física que vem sempre seguida de um arrependimento. Nesse meio ainda temos o abuso sexual mesmo dentro de um casamento, que é relações não consentidas, obrigando a parceira a atos sexuais, que muitas vezes ela não se sente a vontade mas se sente ‘na obrigação de’ fazer.
5. Capital News: O que impede a mulher a enxergar que está sendo vítima de violência?
Viviane Vaz: É justamente o fato dela não saber quem ela é, não se amar o suficiente. Ela acha que merece aquilo, por isso demora a enxergar. Além disso, tem a questão financeira, religião, filhos, família e claro a dependência de emocional.
6. Capital News: A delegada do DEAM, disse existir uma cultura do estupro na sociedade que acaba fazendo com que se olhe mais pra vítima de crimes contra a dignidade sexual que pro suspeito. E com isso a vítima muitas vezes é responsabilizada por conta da roupa que usava entre outras coisas. Você acredita que isso aconteça? Se sim por qual motivo acredita acontecer?
Viviane Vaz: Sim, o termo “cultura do estupro” vem sendo usado com mais frequência pelos movimentos feministas, essa cultura ignora os desejos e vontades da mulher e tem consequências devastadoras para a vítima. É caracterizado por um ambiente em que prevalece a violação, onde a violência sexual é normalizada e desculpada na mídia e na cultura popular. Através do uso da linguagem misógina (discurso de ódio, desprezo ou aversão à mulher), da coisificação da figura feminina, do glamour da violência sexual, e de uma sociedade que cultua o fetiche da satisfação sexual a ponto de ignorar os direitos e a segurança das mulheres.
7. Capital News: O quão isso impacta no receio que muitas mulheres têm de denunciarem crimes assim?
Viviane Vaz: A maioria das mulheres e meninas limitam seu comportamento por causa da violação, com medo da violência. Homens, em geral, não. Assim caminha a dinâmica da violação, a cultura do estupro se apresenta como um meio imposto, pelo qual toda a população feminina é mantida em uma posição subordinada à população masculina, embora muitos homens não estuprem e muitas mulheres nunca sejam vítimas. No contexto, vale incluir o triste fato de que meninas entre 7 e 12 anos sejam as maiores vítimas dessa cultura, com traumas imensuráveis e amplas consequências para a existência. Possíveis consequências para as vítimas da violência sexual são: Sequelas físicas (marcas, dores, DST), Dificuldades de ligação afetiva, Dependência química, Autoestima fragilizada.
8. Capital News: Qual o impacto disso nas mulheres?
Viviane Vaz: Elas pensam que isso é comum, por conta dessa cultura, pensam que não adianta denunciar, que o agressor é mais forte em diversos aspectos (sociais, hierarquia, poder, ameaças, etc). Teme perseguição, teme a exposição e ter que provar um crime que aconteceu apenas entre duas pessoas, e acha que por não ter provas não vão acreditar nela. Mas o mais triste é o sentimento de culpa que o agressor incute na mente dizendo que ela provocou ou pediu!
"A persistência no ser humano. Os casos que se escuta são muitos fortes e muitas vezes difícil de entender"
9.Capital News: Qual é o maior desafio nisso tudo?
Viviane Vaz: A persistência no ser humano. Os casos que se escuta são muitos fortes e muitas vezes difícil de entender. As vezes as vítimas vem com muita resistência, elas pensam que nós vamos julgá-las.
10. Capital News: A violência doméstica está presente em quais idades?
Viviane Vaz: A média é ee 25 a 45 anos, mas já atendi mulheres com 60 anos e adolescentes que já sofreram violência doméstica de seus parceiros.
11. Capital News: e por último como começar a mudar essa realidade (caso considere uma realidade)?
Viviane Vaz: Podemos mudar algumas atitudes. Evite o uso de falas que diminuem a mulher; Nunca atribua culpa à vítima; Posicione-se diante de uma piada ofensiva ou de uma violação trivial; Diante de um relato de violência, seja solidário;
Pense criticamente nas mensagens da mídia sobre mulheres, homens, relacionamentos e violência;
Seja respeitoso com o espaço físico dos outros, mesmo em situações casuais;
Estabeleça uma comunicação saudável com parceiros sexuais baseada em respeito mútuo e consentimento plenos;
Respeite o tempo que cada um leva para definir o momento e a forma de sua iniciação sexual;
Proteja os direitos dos menores de 14 anos diante de qualquer ato libidinoso, visto que é considerado estupro de vulnerável;
Se você tem filhos, ensine-os a respeitar seu próprio corpo e o corpo do outro.
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Serviço
Projeto Nova é uma ong que oferece tratamento psicossocial para sobreviventes da violência e exploração sexual. Mais informações podem ser obtidas via Whatsapp, pelo número: (67) 3324-4200, ou no site do projeto: http://projetonova.com/.
As doações podem ser realizadas na conta do Projeto Nova / Funasph:
Caixa Econômica - Agência: 3144
Operação: 013 - Conta: 13566-0
CNPJ: 07.650.299/0001-79
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