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Opinião Sábado, 05 de Março de 2022, 13:23 - A | A

Sábado, 05 de Março de 2022, 13h:23 - A | A

Opinião

Cobertura da mídia: Guerra na ucrânia eclipsa pandemia

Por Iran Coelho das Neves*

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Além de todas as consequências perversas de qualquer guerra, esta provocou o ‘efeito colateral’ de reduzir drasticamente a atenção da opinião pública sobre a gravidade da pandemia, ainda presente.

 

Nos últimos e perturbadores dias, o noticiário sobre a guerra movida contra a Ucrânia pela Rússia tem ocupado, com razão, quase todos os espaços da mídia, relegando a pandemia de Covid-19 a menções secundárias, quando ela ainda é uma presença muito grave entre nós, com média móvel de mortalidade na casa de 500 pessoas por dia no Brasil.

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Iran Coelho das Neves - Artigo

Iran Coelho das Neves

 

Evidentemente, um conflito dessas proporções, inesperado até mesmo para os estudiosos de assuntos estratégicos, e com potencial para pôr em confronto as mais poderosas nações do planeta, deve mesmo mobilizar as atenções e apreensões ao redor do mundo.

Contudo, é importante observar que, além de todas as consequências perversas de qualquer guerra, esta provocou, de imediato, o danoso ‘efeito colateral’ de reduzir drasticamente a atenção da opinião pública sobre a gravidade da pandemia, ainda muito presente.

É natural que para a população ucraniana, vítima de bombardeiros que devastam cidades e já mataram centenas de civis, além de provocar o maior deslocamento migratório forçado deste século, o risco de contágio da Covid-19 é algo quase “desprezível” diante dos desafios brutais impostos pela guerra.

Mesmo para as autoridades sanitárias do país ocupado, as prioridades passaram a ser o socorro aos feridos, a garantia mínima de assistência aos doentes que os ataques russos surpreenderam em hospitais – muitos dos quais transferidos para subsolos de estações de metrô – e a provisão de medicamentos e de sangue para atender vítimas de bombardeios.

Circunstâncias tão dramáticas naturalmente situam a pandemia como um ‘fantasma distante’ das vítimas diretas da guerra, embora haja alertas de que a infecção pelo novo coronavírus possa retomar altos índices em consequência da previsível deterioração dos sistemas de proteção sanitária na Ucrânia.

Porém, fora do país atacado – e mais especificamente no Brasil – o referido ‘efeito colateral’ representado pela drástica redução do noticiário sobre a pandemia, substituído por uma caudalosa e justificada cobertura em “tempo real” da guerra em território ucraniano, pode resultar na percepção social de que já vencemos a Covid-19. Aliás, a Psicologia Social explicita o fenômeno em que o desenrolar de uma tragédia, mesmo que distante, pode eclipsar um perigo mais próximo.

Em fins de fevereiro, nada menos que 32,9 milhões de brasileiros estavam em atraso com a dose de reforço contra a Covid. Enquanto isso, a vacinação infantil está em patamar muito aquém das expectativas, fruto, em boa parte, da desinformação. Apenas 20% das crianças de 5 a 11 anos tinham sido imunizadas até o último dia do mês passado.

 

Embora o programa brasileiro de imunização tenha alcançado índices expressivos – na última quarta-feira (02/03), 80% da população tinham recebido a primeira dose; 72%, duas doses ou dose única; e 30%, a dose de reforço – aquelas defasagens apontam para a necessidade de empenho permanente, tanto para ampliar o número dos totalmente imunizados, quanto para reforçar as precauções que ainda precisam ser mantidas para evitar o contágio. Afinal, o número de novas contaminações ainda está em trinta mil por dia.

Ante essa realidade ainda preocupante, a natural concentração da mídia – especialmente a tevê, o rádio e os veículos online, de maior alcance popular – na cobertura da guerra na Ucrânia, em detrimento da cobertura mais efetiva e abrangente sobre a pandemia, deve mobilizar governos e organizações civis para a promoção de campanhas institucionais que alertem a opinião pública de que ainda não vencemos a pandemia.

Nossa irrestrita solidariedade ao povo ucraniano, vítima de uma agressão externa que mereceu pronto repúdio e imediata reação da imensa maioria das nações, não nos isenta de ter muito claro que ainda não derrotamos totalmente um inimigo pernicioso – o novo coronavírus.

 

 

*Iran Coelho das Neves

Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

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