Não podemos aceitar passivamente que quase vinte milhões de brasileiros durmam acossados pela incerteza sobre se terão o que comer no dia seguinte.
O principal levantamento sobre a fome no mundo aponta que no período de 2018 a 2020 a insegurança alimentar grave atingiu 7,5 milhões de brasileiros, quase o dobro dos 3,9 milhões registrados entre 2014 e 2016. Por outro lado, estudo igualmente confiável aponta que em 2021 o Brasil conta 19,3 milhões de pessoas vivendo em pobreza extrema.
Em primeiro lugar é preciso dizer que “insegurança alimentar grave” é uma definição mais ou menos edulcorada que FAO, Unicef e OMS, responsáveis pelo levantamento, dão para a fome, esse flagelo que hoje atormenta mais de um décimo da população mundial – 811 milhões de pessoas.
Em relação ao Brasil, somados os que passam fome aos que padecem do que aqueles organismos internacionais classificam de insegurança alimentar moderada – ou seja, têm alimentação precária ou estão sob risco de não tê-la todos os dias – são 49,6 milhões de pessoas subnutridas. Em 2014 eram 37,5 milhões.
O que significa que embora alguns programas governamentais tenham conseguido diminuir substancialmente os índices de pobreza extrema em determinado período, não foram efetivos o suficiente para reduzir, de forma sustentada, a profunda desigualdade estrutural, cuja manifestação mais brutal é o risco de passar fome, que em algum grau aflige quase 50 milhões de brasileiros.
No Brasil, como em boa parte do mundo, a pandemia de Covid-19 agravou a situação alimentar, que já era dramática. Ou, como dizem os chefes das agências da ONU responsáveis pelo relatório, “infelizmente, a pandemia continua a expor fraquezas em nossos sistemas alimentares, que ameaçam a vida e a subsistência de pessoas ao redor do mundo.”
Sem dúvida, os R$ 293 bilhões – cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300 – do auxílio emergencial destinado pelo governo federal, em 2020, a trabalhadores informais e população carente foram decisivos para garantir a segurança alimentar para dezenas de milhões de famílias.
Neste ano, com o auxílio limitado, por razões orçamentárias, a R$ 44 bilhões – quatro parcelas médias de R$ 250, com valores oscilando entre R$ 175 e R$ 375, de acordo com a composição da família – um grande contingente de brasileiros está novamente exposto à chamada insegurança alimentar. Ou seja, ao risco real e fatídico de passar fome.
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Ainda que à luz crua dos números tenhamos de concordar com o ministro Paulo Guedes quanto a não ser “sustentável” o valor de R$ 600, que, se mantido, teria severos impactos nas contas públicas, é aflitivo constatar que com a redução do benefício o Brasil deve somar, em 2021, 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza, e 19,3 milhões na extrema pobreza, de acordo com o Centro Brasileiro de Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (MADE-USP).
Como ‘extrema pobreza’ significa não ter o que comer, mais de 19 milhões de pessoas passam fome hoje no Brasil, país que está entre os líderes mundiais na produção de alimentos.
Essa vexatória e dolorosa contradição pode ser ‘política’ – falta de políticas públicas adequadas, desemprego elevado e desigualdade crônica agravada pela pandemia –, porém a sua face mais real e dramática é profundamente desumana. Portanto, não podemos encará-la como meros expectadores, como se não tivéssemos nada a ver com isso.
Como seres humanos, não podemos aceitar passivamente que em nosso país quase vinte milhões de pessoas possam dormir todas as noites acossadas pela incerteza sobre se terão o que comer no dia seguinte. Elas não têm o direito de satisfazer uma necessidade básica do ser humano, que é a alimentação. E isso deve – ou deveria – nos tocar profundamente.
“A fome dói”, dizem os que amargaram – ou amargam agora – a desdita de senti-la. E se não nos condoemos diante dessa dor que atormenta milhões no Brasil e quase um bilhão de nossos semelhantes ao redor do mundo, então não somos seres plenos, estamos renunciando a uma das virtudes essenciais de nossa natureza humana, que é a solidariedade, a compaixão mesmo, diante do sofrimento de outrem.
Felizmente, existem hoje no Brasil centenas de organizações e iniciativas voltadas a combater a fome, todas elas – à exceção daquelas patrocinadas por grandes corporações – dependentes do apoio de particulares, ou seja, de pessoas comuns que, em muitos casos, preferem contribuir de forma anônima.
Porém, diante da gravíssima crise humanitária que a fome configura, o que menos interessa é a forma como os que podem contribuir o fazem. O indispensável e urgente é que façamos o que nos for possível fazer para que todo ser humano possa ter garantido o direito, tão elementar quanto sagrado, de não passar fome.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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