O maior desafio é o de superar diferentes formas de preconceito ou atitudes comportamentais que, mesmo aparentemente ‘bem intencionadas’, acabam por naturalizar ou agravar a segregação das pessoas com deficiência.
Entre os dias 21 e 28 próximos desenvolve-se no Brasil a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla que, sob o slogan ‘Superar barreiras para garantir inclusão’, busca conscientizar a sociedade sobre as muitas e crônicas dificuldades que precisam ser removidas para a verdadeira integração desse segmento que, segundo o último censo do IBGE, contava 45 milhões de brasileiros em 2010, ou 24% da população à época.
Desenvolvida pela Federação Nacional das APAES (Fenapaes) desde 1963, a campanha foi oficializada pela Lei Federal 13.585/17, como forma de mobilizar governos, organizações sociais e a população para a desafiadora tarefa de promover a efetiva inclusão sociocultural, econômica e humana das pessoas com deficiência.
Como é comum ocorrer em nosso país, também nessa área temos uma legislação considerada exemplar, mas cujo cumprimento esbarra num sem-número de obstáculos. Que vão desde aspectos urbanísticos e arquitetônicos – cidades e edifícios, públicos inclusive, ‘hostis’ aos deficientes – às mais diferentes formas de preconceito ou atitudes comportamentais que, mesmo quando aparentemente ‘bem intencionadas’, acabam por naturalizar ou agravar a segregação das pessoas com deficiência.
“Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”, reza o artigo 4º da Lei 13.146/15, que fundamenta o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Em que pesem os significativos avanços com a efetivação de políticas públicas consistentes, é patente que ainda estamos longe da igualdade idealizada. Ou seja, também neste caso, a difícil realidade mostra que a lei se afeiçoa mais a uma “previsão” do que a um diploma categórico, cujo cumprimento não permite alternativas nem delongas.
Embora a Constituição de 1988 tenha assegurado o direito de vagas para pessoa com deficiência (PcD) em concursos públicos federais, só bem mais tarde foram editadas legislações infraconstitucionais, como a Lei 8.112/90 e o Decreto nº 3.298/99, que regulamentaram essa prerrogativa. Contudo, ainda agora muitos aspectos suscitam dúvidas e frequentemente são questionados judicialmente. Além do que, estados e municípios têm autonomia para estabelecer em seus concursos cotas entre 5% e 20% das vagas para pessoas com deficiência.
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Importante observar que, embora crucial, a garantia efetiva da participação de pessoas com deficiência em concursos públicos representa apenas uma parcela do grande e multifacetado desafio a ser superado para a inclusão preconizada como motivação desta próxima Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla.
É animador constatar que, embora lentamente, cresce o número de empresas que, com cem ou mais funcionários, cumprem a responsabilidade social – e o dever legal – de contratar pessoas com deficiência. Governos estaduais e municipais dão mostras, ainda que tímidas, de preocupação em dotar os espaços públicos e os transportes de melhores condições de acessibilidade para os que têm permanentes dificuldades físicas, intelectuais ou múltiplas.
Especificamente em relação ao trabalho, 372 mil profissionais com deficiência estavam empregados, no setor público e na iniciativa privada, em abril deste ano, segundo dados do governo federal.
Contudo, a grande barreira a ser transposta é mesmo a do preconceito social alimentado pela desinformação ou ignorância quanto ao potencial produtivo, intelectual e humano de pessoas com deficiência.
A propósito, no documento em que apresenta a tão oportuna Semana, a Fenapaes defende que a iniciativa tem seu foco na “inspiração inclusiva” que desperte na sociedade nacional não só reflexão, mas “inspiração e determinação para identificar e botar um ponto final em ações, comportamentos e concepções que desagregam e se materializam em muros nas mentes e nos corações dos brasileiros”.
Muros que hoje discriminam e segregam a maioria dos quase cinquenta milhões de brasileiros com alguma deficiência.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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